Por Gabriel Burjaili
De acordo recentes dados da consultoria We Are Social, cerca de 66% da população brasileira tem acesso à internet em 2017. No mundo, são mais de 3,7 bilhões de usuários ativos. Consequentemente, o ambiente virtual se tornou importante fonte de expressões, manifestações e, naturalmente, conflitos, pois as diversas plataformas permitem que seus usuários publiquem informações e opiniões sem controle prévio por parte dos provedores.
Com a crescente expansão das interações nos ambientes virtuais, os Tribunais brasileiros têm se debruçado sobre o assunto da responsabilidade dos provedores por violações de direitos cometidas por terceiros em suas plataformas, até mesmo antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, que aconteceu em 2014. Muito se discutiu a respeito dessa responsabilidade: em primeiro lugar, ela existe? E, se existe, seria objetiva, pressuposta, decorrente do risco da atividade dos provedores (independentemente da conduta dos provedores, portanto)? Ou seria uma responsabilidade subjetiva, aquela em que se analisa a conduta da parte para verificar se ela teria agido de forma ilegal? O Superior Tribunal de Justiça, norteando os demais Tribunais brasileiros, consolidou entendimento de que pode, sim, haver responsabilidade do provedor de conteúdo, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, por exemplo, onde perdura, majoritariamente, a teoria da irresponsabilidade. Decidiu-se também que tal responsabilidade não é objetiva, ou seja, não é uma responsabilidade intrínseca à atividade desenvolvida. Só haverá responsabilidade do provedor quando houver prova que agiu de forma inadequada ou irregular em relação à violação de um direito de terceiro.
Já se tem, assim, respostas a duas perguntas: o provedor de internet pode responder e o faz desde que tenha agido de forma irregular. Mas falta um importante complemento: quando e porque, então, o provedor responde por atos de terceiros praticados em sua plataforma?
Pela literalidade do Marco Civil da Internet (por muitas vezes seguida pelos Tribunais brasileiros), o provedor só pode ser responsabilidade quando for obrigado, por decisão judicial, a remover conteúdos irregulares e descumprir tal decisão. Assim, pelo texto da lei, o provedor só passaria a responder pelo ilícito caso recebesse tal ordem e não a atendesse.
No entanto, decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo sinalizam a possibilidade de o provedor estar obrigado a remover os conteúdos ilícitos a partir do momento em que ficar ciente da ilegalidade, mediante comunicação do próprio interessado, independentemente de ordem judicial.
Esse entendimento, pertinentemente batizado pelo TJSP como afastamento da interpretação literal do Marco Civil da Internet, foi construído sobre fortes argumentos, entre os quais a necessidade de uma aplicação sistêmica da lei da internet com as demais legislações, em especial o Código de Defesa do Consumidor e a própria Constituição Federal, sob pena de, nos dizeres daquele Tribunal, se privilegiar “os provedores em detrimento dos próprios consumidores”, o que levaria a uma “supremacia de determinados direitos fundamentais (liberdade de expressão) sobre outros de igual relevância (a honra ou a imagem pessoal), contrariando totalmente o sistema jurídico e a lógica da própria Constituição Federal.”
Além de levantar discussão bastante rica no tocante ao potencial conflito de direitos fundamentais, as mencionadas decisões, ao não exigirem a existência de ordem judicial prévia para obrigar o provedor a retirar conteúdo irregular, dão mais alternativas à parte prejudicada com relação às possíveis medidas a se adotar para proteger seus direitos.
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