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Mercado digital e a responsabilização de provedor

Por Caterina Formigoni Carvalho. Artigo publicado no Valor Econômico



Constituída no artigo 170, IV da Constituição Federal, a livre concorrência é um dos princípios destinados a reprimir o abuso de poder econômico que visa a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.


A valoração da liberdade e da livre iniciativa são condições para que se tenha um ambiente concorrencial saudável, com obtenção de lucro de forma lícita e leal. Quando, por alguma razão, a livre iniciativa promove desigualdades nas relações econômicas, criam-se estratégias para restabelecer a igualdade entre a empresa mais forte e a mais fraca.


A prática anticoncorrencial, por exemplo, é uma ação adotada por um agente econômico que possa causar danos à livre concorrência. Essa conduta anticompetitiva é cada vez mais comum, sobretudo na internet, já que para ganhar relevância no mercado, a presença no meio eletrônico é indispensável.


A concorrência parasitária - desvio da clientela com proveito da reputação da empresa líder de mercado, por exemplo - se potencializou no meio eletrônico pelo uso dos chamados links patrocinados, que são uma forma de publicidade on-line através da qual empresas pagam aos provedores de busca para que, na pesquisa dessa ou daquela palavra, o link da empresa que “patrocinou” a palavra apareça em destaque.


A utilização dos links patrocinados é perfeitamente legal, no entanto, o que se vê é o uso desse meio de publicidade on-line de forma desleal, ao passo que empresas pagam os provedores de busca para que deem destaque a seus sites quando da pesquisa do nome de seus concorrentes.


A jurisprudência é pacífica quanto à responsabilidade civil das empresas que utilizam de forma anticompetitiva os links patrocinados por eventuais danos causados pelo uso indevido do nome de seus concorrentes e desvio de clientela. Tais danos podem ser configurados em materiais e morais.


Em situações de concorrência parasitária, o dano material pode se caracterizar por lucro cessante - lucro deixado de ser aferido na venda para consumidores que, por indução maliciosa do concorrente, foram atraídos para outro site - e danos emergentes (estes últimos carecem, obrigatoriamente, de provas mais robustas para sua concessão). Os danos morais podem se dar pelo uso indevido do nome, logo e boa reputação da empresa vítima, já que a que praticou a concorrência parasitária explorou econômica e indevidamente ativos marcários da primeira empresa.


O que ainda não se discute o suficiente é a responsabilidade dos provedores de pesquisa e de conteúdo na prática de concorrência parasitária. Provedores de busca e de conteúdo deveriam certificar-se de que as palavras-chave adquiridas pelas empresas não estão violando o direito marcário terceiros? Dada a grandeza de tais provedores, seria exagero dizer que eles são capazes de identificar potenciais práticas anticoncorrenciais e com isso, preveni-las? E se a resposta for positiva, por qual razão não o fazem?


Essa discussão, se estressada ao limite, para além do objetivo deste artigo, leva a reflexões maiores do que as de concorrência: há a necessidade de impedir práticas anticoncorrenciais facilitadas por provedores de busca e de conteúdo por interesse econômico.


O Tribunal do Rio de Janeiro, em 2008, julgou o primeiro caso envolvendo a utilização de links patrocinados. De lá para cá, mais discussões judiciais a respeito do tema têm sido vistas. Tribunais de diferentes instâncias têm entendido que provedores de busca e de conteúdo podem - e devem - ser processados por prática de concorrência desleal no uso de link patrocinado por empresas concorrentes, uma vez que existe relação contratual onerosa que não isenta os provedores das consequências que essa relação gera na esfera jurídica de terceiros. Nesses casos, o que se vê é a condenação subjetiva e solidária dos provedores no pagamento de indenização às empresas prejudicadas em danos morais e materiais.free


Ainda se discute o risco do negócio dos provedores de busca e de conteúdo em relação à contratação de seus próprios serviços relacionados aos links patrocinados. Na Apelação Cível nº 1.0024.08.037843-3/005, julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o relator aponta que “a empresa que disponibiliza serviço para seus usuários sem previamente fiscalizar seu uso, assume o risco de gerar danos a terceiros”, estando sujeita à teoria do risco-proveito, aplicada a toda atividade que envolve o fornecimento de produtos ou serviços com a contrapartida do lucro por parte de seus fornecedores.


Essas empresas respondem, independentemente de comprovação de culpa ou dolo, por eventuais danos que sua atividade pode gerar. Neste caso, a responsabilidade dos provedores de busca e de conteúdo é objetiva, porque assumem o risco - a partir do momento que obtêm lucro e não fiscalizam previamente as palavras-chave contratadas - de causar danos a terceiros.


A conclusão que se chega é que o papel dos provedores de busca e de conteúdo na prática da concorrência desleal é bastante significativo. O que salta aos olhos é que parece não haver interesse em discutir a razão do papel dos provedores de busca e de conteúdo, em uma prática que só contribui contra a livre concorrência e a liberdade econômica, ser tão relevante. As reflexões que ficam são: o interesse econômico dos provedores poderia interferir no interesse social (coletivo)? Há (real) consciência de tamanha interferência em toda a cadeia de consumo, a partir da contratação de uma simples ferramenta de publicidade?

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