top of page

Entendendo a decisão do STF sobre a coisa julgada


Por J. Rubens Scharlack e Andreia A. Moraes Silva.

Artigo publicado no Estadão




O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente decidiu que algumas declarações suas em matéria tributária interrompem automaticamente os efeitos da coisa julgada de decisões judiciais anteriores em sentido oposto.


A questão decidida pelo STF envolve o limite da coisa julgada em âmbito tributário, na hipótese do contribuinte ter em seu favor decisão judicial transitada em julgado que declare a inexistência de relação jurídico-tributária, ao fundamento de inconstitucionalidade incidental de tributo posteriormente declarado constitucional pelo STF em controle concentrado ou difuso de constitucionalidade.


Este artigo pretende delimitar, em cinco pontos, as consequências dessa decisão, sem juízo de valor. Como a questão ainda é passível de recurso (embargos declaratórios), estas considerações podem vir a sofrer alterações.


Ponto 1: somente declarações do STF proferidas em sede de controle concentrado de constitucionalidade ou em sede de controle difuso com repercussão geral repercutirão sobre a coisa julgada. Declarações proferidas em controle difuso anteriormente à sistemática de repercussão geral não afetam a coisa julgada de decisão anterior.


O controle concentrado de constitucionalidade envolve a análise da lei em tese e seus efeitos aplicam-se a todos os jurisdicionados. A Constituição Federal prevê que o controle concentrado de constitucionalidade opera-se mediante manejo de ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação declaratória de constitucionalidade (ADC), ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) ou arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). A Decisão do STF não deixa claro se envolve apenas o controle concentrado operado através de ADI ou se também abarca o controle mediante os demais mecanismos arrolados acima. Espera-se que o STF aclare este ponto em eventuais embargos de declaração.


Já controle difuso de constitucionalidade é aquele em que qualquer juiz, na análise do caso concreto, declara a inconstitucionalidade de determina norma, e cujos efeitos repercutem apenas entre as partes do processo. A repercussão geral foi introduzida no ordenamento jurídico em dezembro de 2004, regulamentada em dezembro de 2006 e entrou em vigor em 19 de fevereiro de 2007. Portanto, somente as decisões proferidas em recurso extraordinário após fevereiro de 2007 repercutirão sobre a coisa julgada.


Ponto 2: a decisão só alcança relações tributárias de trato continuado, i.e., que se repetem no tempo de maneira uniforme, a exemplo do sucessivo recolhimento de tributos com incidência mensal (PIS, COFINS, ICMS), trimestral (IRPJ, CSLL) ou anual (IPTU, IRPF). A decisão não afeta julgados sobre relações jurídicas instantâneas e pontuais, como as do ITBI ou ITCMD, que geralmente incidem sobre fatos isolados.


Ponto 3: a decisão apenas versa sobre os efeitos futuros, i.e., posteriores à declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do tributo. Ela põe fim ao pressuposto jurídico para continuidade da produção de efeitos da decisão anterior, e a relação de trato continuado, por passar a incidir sobre novo pressuposto, perde doravante a proteção da coisa julgada. A declaração não reverte os efeitos da coisa julgada anterior e por isso dispensa o aforamento de rescisória pela parte interessada. Não se poderá, por exemplo, restabelecer tributo lançado em auto de infração cancelado por sentença afetada pela declaração do STF. Caso pretenda retroagir os efeitos da declaração do STF para período até então coberto pela coisa julgada, a parte interessada terá que ajuizar a competente ação rescisória. E o STF sequer tocou na questão dos prazos decadencial (para lançamento do tributo) e prescricional (para sua cobrança), que permanece incólume.


Ponto 4: a decisão vale tanto para o fisco como para os contribuintes. Assim, a declaração, pelo STF, da inconstitucionalidade de tributo anteriormente declarado constitucional por outra corte com trânsito em julgado permitirá ao contribuinte deixar de recolher esse tributo logo após a publicação da ata de julgamento da ação direta ou recurso extraordinário, sem precisar aforar ação judicial para desfazer os efeitos da coisa julgada.


Ponto 5: o STF equiparou sua declaração de constitucionalidade, para os contribuintes que tinham decisão contrária transitada em julgado, à criação de tributo novo, obrigando o fisco a observar a irretroatividade e, conforme a natureza do tributo, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal.


Portanto, a decisão do STF não acabou com o chamado contencioso de teses tributárias. Deu-lhe novos contornos e limites. Cabe agora aos contribuintes adaptar sua estratégia tributária à nova realidade. Para decisões do STF que futuramente revoguem teses tributárias já pacificadas em juízo com trânsito em julgado, basta ao contribuinte adequar seu procedimento (recolhimento ou não de tributo) ao que o STF decidir dali em diante. Para decisões do STF que já tenham revertido teses tributárias outrora favoráveis ao contribuinte, este deverá analisar o caso concreto, à luz dos princípios constitucionais listados no ponto 5 e à luz dos prazos decadencial e prescricional previstos em lei e aplicáveis à sua situação.

bottom of page