Por Caterina Carvalho
A modernização da sociedade deu início à transformação digital das empresas. A pandemia a acelerou. Um novo mercado está surgindo e, com ele, novas dinâmicas de concorrência.
Ao remover processos manuais, adicionar tarefas automatizadas (como chatbots, publicidade direcionada etc.) e melhorar fluxos de trabalho (com softwares de inteligência artificial), as empresas buscam agregar valor a seus produtos e serviços e destacar-se no mercado. A adoção de medidas tecnológicas pode representar vantagem competitiva no novo mercado digital, com mais produtividade, menos custo e melhor experiência do cliente.
Mas não é só. Para se destacar frente aos concorrentes, empresas cada vez mais têm se voltado para o conhecimento de mercado que o tratamento de dados traz. Uma análise feita pela Revista de Defesa da Concorrência do CADE[1] apurou que a peculiaridade da dinâmica dos mercados digitais é a mudança dos hábitos dos consumidores e as estratégias tecnológicas que as empresas aplicam para tornar o mundo digital novo e atraente.
Segundo a revista, a dinâmica do mercado digital pode ser resumida em 4 pontos, e o principal deles é: dados são os ativos de maior vantagem competitiva.
Porque o processamento de dados é muito mais rápido hoje do que era 2 anos atrás (devido à facilidade de sua coleta e armazenamento, graças a melhores funcionalidades da internet), pode-se dizer que hoje a detenção de dados é o maior potencial competitivo de uma empresa.
O estudo e a organização dos dados coletados geram, portanto, um intangível de propriedade intelectual das empresas (feito a partir de Big Data ou Business Inteligence) e proporcionam o oferecimento de um serviço ou produto mais aprimorado e personalizado para cada cliente, já que se identifica o perfil de compra de cada um.
Além disso, a partir dos dados organizados, as empresas têm a oportunidade de os fornecer a parceiros comerciais que assim divulgam publicidades direcionadas aos perfis recebidos. Porque os parceiros comerciais remuneram as empresas coletoras dos dados, estas terminam por cobrar pouco ou nenhum dinheiro do usuário final por seus produtos ou serviços, já que o usuário na realidade as remunera com os seus dados pessoais.
Atualmente, empresas que possuem grandes sistemas de Big Data e Business Inteligence saem na frente no mercado, pois mapearam o perfil dos consumidores de seus produtos e serviços conhecem melhor seu público-alvo. Tudo isso devido à imensa coleta e estudo dos dados pessoais.
Entretanto, sob a ótica concorrencial, é importante analisar se todo esse processo de coleta e tratamento de dados é legal. Como se sabe, para regulamentar o comércio de dados pessoais, diversos países implementaram suas próprias normas de tratamento de dados, sendo a União Europeia inspiração para a criação de legislações semelhantes mundo afora.
No Brasil, o Congresso Nacional aprovou, em agosto de 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A LGPD prevê, entre outros aspectos, hipóteses em que empresas podem tratar dados pessoais e medidas que elas devem observar para fazê-lo, como por exemplo transparência no fornecimento da informação ao seu titular.
Nesse contexto, seria possível afirmar que a LGPD auxiliará a reduzir a concorrência desleal? Essa dúvida se dá em razão do monopólio de conhecimento acumulado nas mãos das grandes empresas digitais, decorrente da imensa atividade gerada a partir de massiva coleta e armazenamento de dados pessoais. Será que os tratamentos desses dados efetivamente obedecem às determinações legais?
É de conhecimento público que grandes empresas do mercado digital já sofreram fiscalização pelo tratamento indevido de dados pessoais e sofreram multas milionárias por descumprirem leis de proteção a dados pessoais. Questiona-se, portanto: a grandeza de tais empresas, então, decorre do tratamento inadequado e desenfreado de dados pessoais? Será que sua vantagem competitiva se dá precisamente pela prática irregular do tratamento de dados e consequente concorrência desleal no mercado digital?
Sabe-se que consumidores e titulares de dados pessoais não deixarão de buscar eventuais direitos relacionados à privacidade de dados, como já se pode ver, inclusive no Brasil.
Empresas, tanto as grandes quanto as menores, que não estão adequadas à LGPD ou que agem contra o determinado na lei estão sujeitas a condenações judiciais ou multas aplicadas pelo PROCON, que faz as vezes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados enquanto esta ainda não esteja integralmente composta.
Quanto à vantagem mercadológica pela retenção de dados pessoais, será necessário aguardar a efetiva formação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados e a entrada em vigor das sanções da LGPD (agosto de 2021) para se constatar a real redução do tratamento ou uso indevido de dados pessoais pelos grandes negócios, dando-se oportunidades similares a todos os atuantes no mercado digital.
[1] v. 7 n. 2 (2019): Revista de Defesa da Concorrência
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A LGPD é aplicável a qualquer empresa que tenha como atividade o tratamento de dados, seja ela de pequeno, médio ou grande porte. Neste material, falamos sobre a lei em si, suas aplicações na prática e os impactos que ela trará para as empresas, inclusive sanções e multa. Além disso, esclarecemos as principais dúvidas levantadas no dia a dia, referentes tanto ao direito digital quanto ao direito do trabalho. Saiba mais no nosso e-book.
Autora
Caterina Carvalho
Associada
Pós-graduanda em Gestão da Inovação e Direito Digital, Fundação Instituto de Administração (FIA). Veja o perfil completo aqui.
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