Todos sabem que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais veio para regulamentar a divulgação e o compartilhamento desenfreados de dados pessoais pelas empresas, principalmente por aquelas que oferecem serviços ou produtos no meio eletrônico, tendo em vista a vantagem econômica que a circulação e a comercialização de dados trazem hoje.
Em uma realidade em que os dados pessoais ultrapassaram o valor do petróleo, já era tempo de termos legislações que versem sobre o tema, prevendo hipóteses de tratamento e multa, quase estabelecendo um programa de compliance especificamente para o tratamento de dados para as empresas que atuam de forma irregular ou até ilegal.
A grande discussão acerca da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais gira em torno de como a lei será aplicada na prática, pois o texto, por ser muito abrangente em determinadas questões, deixou pontos importantes sem muita resposta. Um exemplo disso são as questões de direito de personalidade.
Isso porque, ainda que a LGPDP, no geral, trate de proteção à privacidade dos titulares (espécie do direito de personalidade) ela não criou nenhum direito, apenas reforçou a importância do direito à privacidade e trouxe questões mais específicas, sobretudo em se tratando de privacidade no meio eletrônico.
Muito embora a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais tenha trazido maior atenção à privacidade dos titulares de dados, fato é que o direito à privacidade e mais importante, o direito da personalidade, já existiam tempos antes da criação da LGPDP, havendo procedimentos e processos próprios para se tratar de eventuais violações a tais direitos.
No entanto, justamente em razão da abrangência de seu texto, quando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais entrar em vigor, é possível que haja grande confusão entre os direitos protegidos pela LGPDP e os direitos de personalidade já existentes, previstos, inclusive, na Constituição Federal.
Nesse contexto, considerando que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais prevê a proteção de dados pessoais que são definidos como informações relacionadas a pessoa natural identificada ou identificável e ainda define quem são as pessoas (naturais ou jurídicas) que podem estar envolvidas no tratamento dos dados pessoais: o controlador e o operador (primeiro é aquele que competem as decisões referentes ao tratamento e o segundo é quem realiza o tratamento em nome do controlador), trazemos uma reflexão: a LGPDP protege os direitos de autor ou os direitos de pessoas referenciadas?
Suporemos que há uma obra publicada na internet utilizando, sem autorização, características identificáveis de uma pessoa e tal obra é plagiada e republicada diversas vezes. O autor da obra pode alegar violação aos direitos previstos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais? E a pessoa referenciada identificável na obra, poderá alegar violação da LGPDP em face daquele que plagiou a obra?
Nossa análise se inicia com a ponderação de que quem teria coletado os dados da pessoa referenciada na obra, seria o próprio autor e que à pessoa que teve suas características referenciadas, é atribuído o direito previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, pois estão sendo utilizados dados seus que toram possível sua identificação. Este titular dos dados pessoais (a pessoa referenciada na obra) pode ajuizar ação indenizatória em face do autor da obra, por ter tido seus dados divulgados sem sua autorização.
O autor, por sua vez, possui direito de ação contra aquele que imitou a obra, uma vez que há, neste caso, claro direito autoral violado (plágio). Nesta hipótese, ainda que exista uma ação pautada na LGPDP contra o autor, este pode exercer seu direito sobre a obra de sua criação, pautando sua demanda judicial, então, no direito autoral, não na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Há também, uma terceira possibilidade de ação, na qual a pessoa referenciada poderia ajuizar em face da pessoa que plagiou a obra, uma vez que seus direitos de personalidade (além do direito de privacidade, abarcado pela LGPDP) também estão sendo violados, como os aspectos constitutivos de sua identidade. Neste caso, também não há aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, mas sim a observância do direito constitucional de personalidade.
Com a reflexão acima, é possível verificar que os acontecimentos no espaço eletrônico não se limitam apenas às discussões de proteção de dados pessoais, mas também dizem respeito a qualquer direito praticável no espaço físico, pois nada de novo foi criado.
Dessa forma, o direito autoral e as questões de propriedade intelectual, como marca, são pontos bastante discutidos desde o crescimento da internet, pois a “imitação” de conteúdos, logos e marcas se tornou muito mais fácil. O que precisa ser destacado é que os direitos violados no ambiente eletrônico nem sempre têm relação com a Lei Geral de Proteção de Dados, mas sim com legislações vigentes há tempos, aplicável também ao mundo digital.
*Por Caterina Carvalho
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