A MP 927/2020 afastava a possibilidade de se presumir que a contaminação por Coronavírus (Covid-19) fosse considerada doença ocupacional. Assim, o empregado devia comprovar o nexo causal.
O STF suspendeu o artigo da MP 927/2020 que afastava essa possibilidade, porém isso não significa, automaticamente, que todo caso de contaminação por Covid-19 será considerado doença ocupacional e, consequentemente, acidente de trabalho.
Veja, por exemplo, a função de vendedor e o atendimento ao público. Em cenário de pandemia, por haver recomendações de isolamento social, expor o funcionário ao contato com o público (por ser sua função) pode levar ao entendimento de que a contaminação por Coronavírus é doença ocupacional dos vendedores. A confirmação desse entendimento dependerá da análise de cada caso pelo perito do INSS.
O que a empresa possui, como já possuía antes (e a decisão recente do STF retoma), é o ônus de comprovar que possui um ambiente de trabalho de acordo com as normas de saúde e higiene de trabalho, inclusive com as adequações para o cenário de pandemia atual, por exemplo:
análise de riscos de contágio;
adoção de medidas protetivas e de isolamento social (por exemplo: home-office, redução de jornada, flexibilização de horários de entrada e saída para o empregado não ser exposto a aglomerações nos transportes públicos, distância mínima de 2 metros entre cada empregado);
distribuição e fiscalização do uso de EPIs (álcool em gel, luvas, máscaras etc.);
limpar as superfícies das mesas e estações de trabalho com desinfetante regularmente;
incentivar a lavagem completa e regular das mãos pelos funcionários;
distribuir folhetos informativos com as instruções para a lavagem correta das mãos, principalmente nos banheiros;
orientar que se proteja nariz e boca quando espirrar ou tossir.
É necessário conseguir comprovar que cumpriu as medidas para fins de eventual defesa administrativa (INSS) e judicial. Por exemplo, com fichas que demonstrem a periodicidade da limpeza das estações de trabalho e demais controles.
Caso o empregado seja contaminado e o empregador considere que a contaminação ocorreu no trabalho em razão da função, deve emitir o CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
Os efeitos da contaminação por Coronavírus ser considerado acidente de trabalho para o empregador são:
durante o afastamento para o tratamento é necessário continuar depositando o FGTS;
caso o afastamento seja por mais de 15 dias e o empregado receba o benefício B91, ele terá estabilidade provisória de emprego por 12 meses;
a empresa poderá responder pelos danos materiais decorrentes da doença (por exemplo: pensão mensal vitalícia por eventual perda de capacidade);
de acordo com a quantidade de CATs emitidos pode aumentar a folha de pagamento em razão da incidência do FAP/RAT.
Como a chance de contágio é maior no transporte público e o acidente de percurso voltou a ser considerado como acidente de trabalho, há chance da caracterização da doença como ocupacional não ser pelo ambiente laboral em si, mas pelo ambiente do percurso que o empregado faz para chegar ao trabalho.
O empregador fica mais exposto neste caso, pois não terá como garantir a segurança e saúde do trabalhador no transporte público. Por isso, o empregador pode, por exemplo, considerar a adoção de horários flexíveis de entrada e saída para permitir que seus funcionários não utilizem esse transporte em horários de pico. Apesar desta medida não eliminar o risco, demonstra a boa-fé da empresa e pode ser usada como argumento de defesa em eventual defesa administrativa ou judicial.
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Autor
Jorge M. Camatta
Associado
Pós-graduado em Direito e Relações de Trabalho, Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
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