Por Kauê Cardoso
No último dia 30 de agosto de 2017, o Banco Central do Brasil publicou o Edital de Consulta Pública nº 55/2017, contendo a minuta da proposta de resolução que tem como objeto a regulamentação da constituição, autorização, funcionamento e encerramento das Sociedades de Crédito Direto (SCD) e das Sociedades de Empréstimos entre Pessoas (SEP), essa última conhecida como as empresas de Peer-to-Peer Lending.
O Edital foi acompanhado de pronunciamento do diretor de Regulamentação do Bacen, afirmando que o processo de inovação é visto com bons olhos e a regulamentação tem o objetivo de garantir maior segurança aos envolvidos nessa operação.
As primeiras plataformas de Peer-to-Peer Lending surgiram na Inglaterra, por volta de 2005, no formato de um marketplace. Elas tinham como objetivo aproximar os interessados em emprestar dinheiro (“mutuantes”) com os interessados em tomar crédito (“mutuários”), de modo que as plataformas funcionavam com uma espécie de agente intermediador, realizando a análise de crédito do interessado em captar o dinheiro e anunciando o projeto para interessados em ser mutuantes.
Como esse modelo de negócio surgiu por meio de plataformas on-line, sem aplicação da regulamentação Estatal referente ao mercado financeiro tradicional e sem uma centralização do risco do crédito, uma vez que o empréstimo ocorre diretamente entre os mutuantes e o mutuário, seu custo de operação era --- e ainda é --- sensivelmente inferior aos custos de uma instituição financeira tradicional, possibilitando, de pronto, uma otimização do retorno aos mutuantes e uma redução dos custos de empréstimo ao mutuário. Não fosse só isso, o modelo de negócio, mais simples de ser criado e administrado, possibilitou uma democratização do acesso ao crédito e redução do spread bancário, dentre outras inovações que vieram e estão por vir.
Quanto ao seu surgimento no Brasil, o Peer-to-Peer Lending não apresentou um bom início, sendo entendida como uma atividade de intermediação financeira restrita às instituições financeiras devidamente autorizadas. Com o passar do tempo, algumas plataformas de Peer-to-Peer Lending passaram a operar como um correspondente bancário, de modo a driblar o requisito legal da intermediação financeira ser realizada por uma instituição financeira devidamente autorizada e manter os benefícios trazidos pelo modelo de negócios.
Agora, com a publicação do Edital de Consulta Pública nº 55/2017, o Bacen sinaliza propostas de regulamentação que poderão interferir no modelo de negócio e estrutura jurídica de operação das plataformas de Peer-to-Peer Lending.
De acordo com a proposta do Bacen, as empresas operadoras das plataformas de Peer-to-Peer Lending, agora denominadas de SEP, seriam definidas como instituições financeiras com autorização para realizar operações de empréstimo entre pessoas por meio de plataforma eletrônica, além de poderem realizar análise de crédito e cobrança, atuar como preposto de corretor de seguros e emitir moedas eletrônicas, tudo relacionado às suas operações.
Além da natural advertência de que a SEP deverá dispor claramente sobre os riscos da operação para os potenciais credores e devedores, o Bacen propõe expressamente que a SEP não deverá disponibilizar aos potenciais devedores recursos próprios, ou mesmo prestar qualquer garantia e/ou coobrigação, devendo obrigatoriamente seguir os seguintes passos: (i) manifestação inequívoca da vontade das parte; (ii) disponibilização dos recursos pelos credores; (iii) emissão de instrumento representativo do empréstimo; (iv) cessão ou endosso do instrumento representativo do empréstimo para o credor e, só então, (v) a transferência dos recursos ao mutuário.
Outro ponto relevante, é que, além do limite de tomada de crédito do possível devedor, a ser estabelecido pela SEP, o Bacen propõe o estabelecimento de um limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para a exposição do possível credor, salvo no caso de investidores qualificados. Ainda que se discuta, durante o período de consulta prévia da resolução proposta, eventuais alterações desse limite, fica claro a intenção do regulador de não permitir que o modelo do Peer-to-Peer Lending cresça ao ponto de criar um significativo risco ao Sistema Financeiro Nacional.
Seguindo, ainda, os cuidados de todo regulador, o Bacen propõe um limite mínimo R$ 1 milhão, que as SEPs e as SCDs deverão manter em relação ao seu capital social integralizado e patrimônio líquido, assim como disciplina de forma não tão objetiva o procedimento de concessão da autorização de funcionamento dessas sociedades, reservando a si um considerável grau de discricionariedade na análise do pedido de autorização de funcionamento.
Importante lembrar que, além do risco ao Sistema Financeiro Nacional que o oferecimento de crédito sem a devida análise pode proporcionar, uma preocupação constante dos órgãos regulamentadores é prevenir a prática de crimes financeiros, inclusive relacionados à lavagem de dinheiro. Nesse sentido, ainda a resolução proposta pelo Bacen não faz nenhuma menção a esse tipo de controle, vale ressaltar que uma SEP ou SCD estaria obrigada aos mecanismos de controle e reporte ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) previstos na Lei 9.613/1998, ao passo que sua atividade de serviços financeiros estão previstas no artigo 9º, inciso XIV, alínea ‘e’, da referida Lei. Assim, independentemente das possíveis modificações que a proposta do Bacen possa sofrer, as plataformas de Peer-to-Peer Lending seguramente devem se preocupar com a estruturação de mecanismos sólidos de compliance, adaptando seu modelo de negócio no que for necessário.
Além dos pontos ora ressaltados, a norma proposta pelo Bacen abrange demais pontos que certamente deverão ser analisados e discutidos antes de sua implementação. Para tanto, até 17 de novembro de 2017 o Bacen aceitará o envio de comentários e sugestões de alterações, o que demonstra sua saudável intenção de construir uma regulamentação que vá de encontro com os anseios do mercado e da sociedade.
A exemplo do que ocorreu recentemente com a regulamentação do Equity Crowdfunding pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), espera-se que o mercado contribua de forma positiva para a construção da regulamentação e, portanto, a proposta apresentada pelo Bacen ainda poderá sofrer diversas modificações. O escritório Scharlack Advogados, engajado na contribuição desse projeto, está trabalhando na apresentação de sugestões e comentários para Bacen.
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